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O velório


O velório
Por Jonatas Carlos

A vida nos apresenta de forma natural uma das melhores atuações teatrais que o mundo já criou. Não falo aqui sobre as obras de Shakespeare, fingimentos ou as máscaras que todos carregam em seus percursos durante essa nossa breve passagem ao longo do tempo. Porém, escrevo-te aqui, querida linha, sobre as verdadeiras epopeias que situações do dia a dia nos criam.

Falando sobre a vida, a história que vim te contar hoje aqui fala exatamente sobre algo que a vida nos traz como certeza: a morte. Sim, é na morte, velórios e sepultamentos que conseguimos observar a melhor de todas as atuações que o homem pode demonstrar. É nesse momento que não há pensamentos claros, razões, preconceitos, introvertimento ou etc., perde-se o homem social e ganha-se o homem humano.

Confesso-te, mas confessa-me também, velhas linhas, tais partes em que o homem torna-se humano são um tanto quanto repudiantes e desconfortáveis de encarar. O homem mascarado talvez seja menos irritante do que o homem humano.

Se você compartilha a mesma opinião que a minha sobre o assunto, deve concordar que as últimas linhas foram chatíssimas e uma sequência de linhas falando sobre o mesmo assunto, sempre sendo remoído, seria algo insuportável, tal como a sociedade. Por isso, peço-te paciência, pedaço de tinta, as linhas que aqui seguem tocam no assunto, mas o fato do ocorrido entram para as melhores entre as melhores peças que pude presenciar, mesmo considerando que já fui para muitos velórios.

Se ainda assim você acredita que tal assunto lhe repulsa, deixo aqui essa linha como um pedido para que você retire seus olhos preguiçosos de minhas palavras, pois o assunto a seguir será apenas sobre um velório.

Tudo ocorreu no dia 15 de outubro de 2016, a ocasião era o velório do meu tio-avô. O dia começou como um dia de velório perfeito: dia estava claro, poucas nuvens, ensolarado e caloroso, clima que enriquecem o teatro.

Como eu não tinha ligações muitos próximas com o falecido, pude ir sem muito peso na consciência, apenas com a ideia de estar indo para um velório comum. Sempre que eu ia para tais velórios a minha ideia era levar pipoca e refrigerante, pois como já disse, lá acontecem ótimas reais encenações. Sendo todas idênticas e todas diferentes. Nesse dia, contentei-me com uma água e um cafezinho.

Eu, como visitante externo, entro com minha máscara bem vestida. Se não sabe como fazer, lhe ensino:

Passos lentos, curtos e preguiçosos. Evite maior contato visual com pontos distantes de você, como quem olha para o horizonte, você também pode olhar algumas vezes para o chão e fazer pequenas contrações dos músculos laterais aos lábios, fazendo, assim, cara de uma triste conformação – que pode ser reforçado com leves balançadas verticais da cabeça. Tente não forçar muito, pois pode parecer que você está a brincar com toda a situação.

Foi assim que entrei, mas talvez eu tenha falhado sobre o contato visual. A minha curiosidade fez-me e faz-me olhar fixamente para o que me chama atenção – quase tudo. Um desses tais olhares que dei, foi no momento em que minha mãe foi abraçar a viúva e foi deixar algumas palavras de consolo. Neste momento, o rosto da viúva ficou de frente ao meu, sobre o pescoço de minha mãe, foi ali que a fixei de maneira talvez exagerada.

Todo o exagero nos dá detalhes. O rosto da viúva era um poço seco, melhor, uma uva passa. As referências vem do fato de seu rosto trazer os óbvios desgastes do tempo e da velhice, mas principalmente de um rosto que já perdeu todo o líquido possível através das lágrimas. Seu cabelo grisalho, repartido quase no meio, seu rosto e fisionomia e suas vestimentas couberam-na como ótima viuvez e tristeza.

Querida, existe algumas situações da vida que não há máscaras que cabem. Melhor, existem situações na vida que não sei usar máscaras. Ensinem-me. É nessas circunstâncias que não sei atuar, pois o meu homem humano está mais morto que o defunto que fui visitar. Conto isto a ti pois chegou o momento em que precisei cumprimentar a viúva, como obrigação pois eu estava a seguir minha mãe. Tentei fugir pelo lado para não falar com ela, mas pensei que isso poderia chamar atenção, como se eu tivesse repulsa a tais situações. Tenho, mas guardo-a.

Foi assim que dei um rápido aperto de mão que virou um rápido abraço, concomitantemente a um também rápido e baixo: Meus pêsames e Deus lhe console. Toda a situação foi o meu lado humano atuando: sendo, claramente, a pior atuação da noite entre todos os atores. Nesses momentos eu simplesmente não sei o que fazer. Será que tenho que dar um abraço? Será que o abraço deve ser apertado ou leve? Demorado? E as palavras? Quais palavras devo utilizar? Será que essa palavras ecoaram? Mas falei palavras tão vazias, péssimo eco.

Preciso treinar esse tipo de situação, minhas linhas, enquanto isso tento esquecer esses momentos trágicos de minha apresentação solo. O modo que executo tão esquecimento, que acabei de falar, é passar rapidamente as minhas duas mãos sobre os respectivos lado do corpo, indo do fim de minha camisa para a calça. Movimento que parece ser de limpeza das mãos, mas é limpeza da alma.

Passada toda a situação constrangedora, procurei um ótimo local de onde eu pude observar tudo e todos, era a cadeira do meio do meio do cinema e do teatro – ou da igreja que realiza o velório. Encontrei! Encontrei o local perfeito! Agora posso-te contar toda a situação, queridas retas.

Deixe-me seguir o protocolo de tentar mostrar os detalhes do local, pois este era um velório com todas as letras:

O caixão era de madeira com detalhes laterais que formavam um grande retângulo que era elevado por duas pequenas camadas, dentro do retângulo existia uma elevação de outras duas camadas em formato ondulado ao longo de toda lateral do caixão. As abas do caixão eram douradas com vários detalhes em relevo. Acredito que as abas eram de plástico, mas não tinham má aspecto. Na verdade, como um todo o caixão era muito bonito.

A parte superior do caixão estava de pé próximo a cabeceira do caixão. Esta tinha desenhos brancos que dividiam-se em duas partes: na parte superior tinha algumas linhas paralelas inclinadas, sendo em pares, inclinadas em sentidos opostos. Na parte inferior existiam também um par de desenhos em formato de “s”. Repito, o caixão era demasiadamente esbelto, trazia consigo ares luxuosos.

A ornamentação era composto de quatro arranjos de flores, que foram postos sobre quatro suportes de 1 metro de altura. Cada arranjo foi posto próximo a cada canto do caixão. Cada arranjo era em formato circular, sendo formado de flores amarelas na parte exterior da circunferência e brancas na parte interior, sendo todas flores verdadeiras. Na parte detrás, estava um grande painel de veludo preto, cerca de 2,5 metros de altura e 2 de largura, sendo apoiado por 2 suportes de um metal prateado, tão polido que daria para ser usado como espelho. Na parte intermediária de cada suporte existia uma pequena elevação em volume no formado de uma esfera, que também trazia dois degraus de elevação como divisão entre a esfera e a parte reta do suporte. Era nesse painel que estava apoiado a “tampa” do caixão. Logo em sua frente estava uma outro suporte, o qual em seu topo estava uma bíblia preta de alumínio, que aberta carregava o salmo: “O senhor é meu pastor e nada me faltará”. Certamente, nada falta ao defunto, que nada tem.

Desculpem os detalhes, gosto dessas minúcias. São essas partes menores que fazem da vida um verdadeiro desbravamento contínuo. Abandone a busca por tais e tenha uma vida pacata e chata, uma rotina repetitiva. Rotina repetitiva, mas não pleonasmo. Quando você passar a observar tais detalhes, não há rotina alguma que seja igual, mesmo que você faça a mesma coisa nos mesmos lugares todos os dias.

Pensamentos inúteis, deixem-me voltar ao não menos inútil velório...

 A viúva estava vestida de um simples vestido regata preto, com uma renda por cima que cobria os braços, a parte superior do peitoral e acompanhava o vestido. Foi a renda, juntamente com a cara murcha que lhe dava o perfeito aspecto de viúva. Ela logo voltou ao seu assento que se localizava ao lado da cabeceira do caixão. Lá, ela poderia ser vista e receber atenção de todos, principalmente do defunto... o defunto!

Desleixo! Deixei para descrever o principal personagem por último, o defunto!

Poderia aqui agora estar iniciando uma descrição direta do homem, mas te gasto, queridas linhas, para explicar um antecedente que diferencia o atual deplorável estado do falecido, explicando melhor sua situação:

No dia 27 de setembro, o ex-vivo sofreu um Acidente Vascular Cerebral e foi para o hospital de emergência e trauma de João Pessoa, cidade em que nasceu, viveu e morreu. Lá ficou internado devido à gravidade do acidente. Contudo, como diz o ditado popular, nada está tão ruim que não possa piorar. Pois bem, no dia 01 de outubro o interno adquiriu uma superbactéria e, sendo induzido ao coma, ficou até o dia 14 entre a vida e a morte. Às 07:25 do dia 14, seu José Firmino veio a óbito, sendo declarado insuficiência respiratória.

Você, leitor atento, poderia agora se perguntar o que poderia diferenciar o modo em que se encontrava o defunto. Calma, o que o diferencia é que, após adquirir a bactéria, Firmino teve falha sistêmica em seus órgãos internos, sendo mais afetado os rins e o fígado. Além disso, algumas veias dele ficaram obstruídas. O que isto implica? Parto agora ao presunto...

Ele, que em vida já era cheio, que é um modo eufêmico de chamar de gordo, tornou-se um monstro. Seu corpo duplicou de tamanho, seus olhos pareciam querer saltar de suas órbitas, mesmo fechadas. Sua boca estava ferida por conta dos tubos e do frio que faz na sala do CTI, essa por completo parecia gritar por socorro: Seus lábios estavam inchados e sua língua de tão inchada que estava, parecia querer saltar para fora dos lábios. A sua pele trazia uma mistura horrenda: Esticada e brilhante, por conta da retenção de líquidos, contudo ainda guardava as várias marcas e rugas da velhice, vale lembrar também que sua pele também estava toda queimada pelo frio e, piorando a situação, algumas veias que foram obstruídas pareciam querer estourar na face do falecido, como grandes varizes na face dele. Lembro-me bem de duas veias que estavam bem saltadas, uma que localizava-se na testa e outra que estava entre o maxilar e a mandíbula. Com a sua pele que já estava ficando em um tom de roxo, desculpem-me a comparação, parecia algum zumbi que saiu de um filme de terror e caiu no teatro do velório.

As cadeiras da igreja em que ele foi velado eram todas pretas, dando ainda maior graças ao velório. O movimento era constante: muitos chegavam, falavam com a viúva, olhava o falecido, alguns com lágrimas nos olhos, e procuravam um lugar para se sentar ou juntavam-se a alguns dos grupos que estavam de pé conversando.

Percebi que muitos dos que olhava apresentavam às escondidas duas emoções: espanto e repulsa. Espanto pela surpresa da mudança na fisionomia do corpo e repulsa pelo natural repugnância que aquele cadáver provocava. Pois, esqueci de dizer, este até parecia que já tinha entrado em decomposição a dois dias. O cheiro? Linhas curiosas... o cheiro era uma mistura fortíssima das flores brancas e amarelas que cobriam o defunto e de um talco, que se não me engano, é comumente usados em bebês. Deleito sobre ti essas palavras e, de tão forte que era o cheiro, pareço que o sinto agora em minhas narinas.

Todos apresentavam espanto e repulsa, mas os parentes mais próximos apresentavam espanto, repulsa e, após certa análise e um tempo de encarar a situação, carinho pelo finado. Estes, em especial os filhos e esposa faziam repetitivos carinhos sobre o defunto. Os filhos acariciavam as mãos roxas e cheias de sinais pretos de seu pai. A viúva, quando percebia que tinha algumas lágrimas a descer, abraçava-se sobre a cabeça deu seu marido e chorava desconsoladamente. Era nesses momentos de prantos que juntavam-se outros que pelo estado de espírito do ambiente também choravam, que o espetáculo era formado, o choro servia de sinfonia para toda aquela atuação.

Não franza essas sobrancelhas, linhas malditas, se achas que as gastei para anunciar um velório normal, estás muito enganada, o estranho e o sobrenatural está começando agora.

Alinhem-se, queridas linhas, pois foi no momento em que um primo meu, juntamente com seus dois filhos, estava deixando a vista do caixão em direção a parte da porta da igreja, que vi a viúva dar o último beijo e soluço sobre o seu defunto. Essa cena está gravada em minha memória e se repete como um .gif em minha visão. O que há demais nisso? Pergunta-me... A sucessão do fato:

No momento em que meu primo passou sobre a minha visão da viúva que beijava o defunto, ele levantou sua mão direita, segurou o pescoço dela e o pressionou contra a sua boca. Neste momento ele lhe deu uma mordida na jugular. A viúva debruçou-se em uma queda sobre o caixão com os braços abertos. Ela gritou, assim como seus filhos. O que estava ao lado dela ainda conseguiu puxá-la e ela foi caindo tentando se apoiar na cadeira em que ela estava sentada ao lado do caixão, mas foi em direção ao chão já sem consciência.

Consciência...

Minhas linhas, não frise essas expressões faciais, a consciência foi uma palavra que também me chamou aqui. A primeira ideia que eu tive foi de estar em um sonho e, se assim o fosse, estaria já na hora de acordar, mas nada aconteceu. A ideia que reforçava ser um sonho era de que eu simplesmente congelei, a adrenalina passou forte entre minhas veias, mas eu não tive forças para correr, fiquei ao máximo amedrontado.

Volto, essa psicodelia era tão real como a luz do sol que entra em minha retina todas as manhãs. Mas confesso-te, esforcei-me ao máximo para tentar tirar toda aquela cena da realidade de minha mente, contudo, não houve o que expulsasse tão visão da minha retina e da ideia de veracidade. Será que fiquei louco? Pensei. Mas isso penso todos os dias e quase sempre a resposta é positiva.

Será que virei esquizofrênico e estou tendo alucinações? Esta foi a minha conclusão duvidosa mais bem feita que tive no momento. Apalpei-me, pensei em algumas contas matemáticas e as resolvi, olhei para os outros que estavam a minha volta para saber se estavam a ver a mesma coisa, pois sabia que se fosse alucinação, apenas eu estaria vendo a tragédia. Nada! Todos estavam igualmente estupefatos com aquela situação.

Você que está sempre parada, minhas linhas, não sabes como isto acontece com o ser humano. Mas aconteceu aqui aquela pausas que em 1 segundo conseguimos formar teorias, ter centenas de ideias, observar milhares de ações que acontecem ao redor, mas nenhuma reação, tudo em 1 pequeno segundo. Apesar de não conseguir aceitar o ocorrido dentro da realidade, o gigantesco segundo terminou e a macabra cena continuou.

O defunto após arrancar fora um pedaço do pescoço de sua esposa continuou a levantar o torço sobre o caixão. Ele mantinha a fisionomia empapuçada, as suas veias pareciam ainda mais saltadas, os seus sinais junto com o estado descamado de sua pele o embutia uma aparência de podridão. O sangue venoso de sua esposa já corria sobre o seu pescoço e ia de encontro a gravata do terno que vestia. Assim, ele apoiou as duas mãos nas beiras do caixão para se levantar. O filho, neste momento, arrastou desesperadamente a mãe para longe do ataúde. Nisso, enquanto a filha que estava do outro lado lançou um grito agudíssimo, o filho que estava do mesmo lado deu um grande chute no caixão, que o fez cair do seu suporte, juntamente com o ex-defunto.

Nesse momento, algumas pessoas tiveram forças para correr e gritar e tentar desesperadamente sair pela estreita porta da igreja. Não lembro se aqui já escrevi que a igreja em que estava acontecendo o velório estava lotada. Tenho preguiça de voltar a ler este texto inútil. Inútil duas vezes, pois o deveria partir por capítulos, assim seu ar de insuportável teria pontos de desistência, temporárias ou não, marcadas. Também penso em desculpar-me pela minha prolixidade, mas se trouxeste teus olhos até aqui, é porque és igualmente inútil. Voltando...

Repetição para trazer tua mente leviana de volta ao texto: Como a igreja estava lotada e a porta era pequena, a lei do mais forte foi outorgada e uns estavam a pisar uns sobre os outros para tentar sair daquela assombração. Por falar em assombração, lembro-me ter visto uma velha senhora que diante daquela situação começou a orar ou a rezar para seu Deus. Deus... senhora, o demônio está na sua frente. E tu, leitor, se fores tão astuto quanto nosso último citado, poderia se perguntar o que eu estava a fazer ainda observando tudo isso. Digo para as espertas e para as frívolas, eu estava ainda parado, mas agora tenho que confessar que não todo por medo, mas talvez em alguma parte, a curiosidade também me guardava ali. Eu e outros, já que também observei que tinha algumas outras unidades também sentadas com cara de desespero. Assim como eu deveria também estar no momento.

Quantos olhos ganhei não sei, mas sei que consegui ver quase tudo que estava a acontecer em câmera lenta, pois todas essas cenas ocorriam concomitantemente.

Por estar a falar sobre as situações que estavam a ocorrer, deixem-me voltar ao morto-vivo. Este, pois, após a queda não parou o ataque, o que me causou ainda mais espanto. Digo isto pois pensei que a mordida inicial tinha sido uma reação do próprio ressurreto, mas não. O próximo alvo foi o filho que tinha puxado a mãe. O senhor Firmino agarrou-se a sua perna e mordeu mesmo sobre a calça. Dizem que doidos tem forças sobrenaturais, afirmo-te, pois, que os defuntos também. Uma vez que este conseguiu rasgar a calça jeans do filho e arrancou-lhe um pedaço da perna. Ao lado sua mãe estava agonizando. Os outros dois filhos que estavam do outro lado deram alguns passos para trás e foram em direção para subir o degrau do púlpito, como quem fosse se esconder no canto da igreja.

Imaginem, leitores, essas cenas que não saem de minha cabeça. Um defunto estraçalhando a perna do filho, que agora gritava de dor e agitava-se, tentando sair dos braços do pai. A viúva, que a cada pulso colocava um bocado de sangue pelo pescoço, dando as últimas agonizadas, já engasgada com o próprio sangue. Os dois outros filhos recuando, horrorizados e imobilizados pelo contexto. Entre os dois, a filha que não parava de gritar e chorar, com as mãos na cabeça. Não sabia se era um velório, ou dois ou... não sei o que poderia caber aqui, deixo a seu critério de imaginação.

O filho num movimento desesperado, conseguiu largar sua perna da boca do pai, pegou um dos suportes de flores que se encontrava no chão e arremessou com suas últimas forças sobre o pai. Assim, o falecido foi empurrado para trás, mudando, dessa forma, a vítima. Dessa vez ele partiu para a velha senhora que já não estava a orar, mas paralisada vendo o defunto vindo em sua direção.

Outros enormes segundos. Nestes seguidos, cogitei o que poderia estar causando isso no defunto, já considerando tal fato uma realidade. Cheguei à conclusão que deve ter sido o excesso de diferenciadas drogas que deram para ele no hospital e nos preparativos do velório. Minha segunda ação foi enfim levantar-se e tentar defender a velha senhora.

Tarde demais! Eu deveria estar na última cadeira, próximo a parede, da 3ª fileira, a senhora estava na cadeira do corredor, por onde vinha o defunto, da 5ª fileira. Quando eu estava a chegar pelo corredor o defunto foi se jogando sobre o pescoço da velha e como um corvo puxava a carne da vítima. Malditos hormônios! Sei que por alguns segundos paralisei e procurei o que fazer.

A cena era lamentável, a senhora já estava estirada sobre o corredor já sem reação e o finado estava a devorando como um animal faminto devora sua presa. Os gritos ainda ecoavam por dentro da pequena igreja, tanto os de dentro, sendo o mais alto o da filha e vários gritos de desespero vindo dos que já estavam fora da igreja. Quando voltei a mim mesmo, tive a reação de pegar uma das cadeiras pelo encosto, levantei-a com a intenção de jogá-la sobre o... será que já o posso chamar de zumbi? Zumbi!

Leitor, qual miserável foi a minha espera e o ceticismo frente toda aquela situação. Deveria eu ter corrido e pisado sobre os outros para sair logo de início. Digo isso pois no momento em que levantei a cadeira, senti uma forte pressão sobre o meu ombro direito. Nisto, a minha reação natural foi ir para a esquerda rapidamente, mas percebi que algo já me detinha. Que vida miserável! Virei minha face para sobre o meu ombro para entender o que estava a acontecer e os dentes da já finada viúva estavam cravados sobre o meu ombro, seus olhos estavam cinza, assim como sua pele. Sua boca ainda estava ensanguentada do próprio sangue, que agora se misturara com o meu.

Se perguntas o motivo d’eu não ter corrido antes ou de ficar parado observando esses detalhes ou de ter uma troca de olhares com alguém que estava a me morder, lembro-te mais uma vez que todas essas cenas são desses gigantes segundos que nossas vidas nos reservam.

É a união dos grandes e pequenos segundos que encaminhamos para a morte. Assim foi comigo. A cadeira que eu erguia agora caia em minha frente e eu já estava caindo de costas sobre outras cadeiras, com a viúva vindo com suas duas mãos e seu corpo sobre o meu corpo e começou a devorar-me vivo. Gritei até não ter mais forças de manter a consciência e desmaiei.

Se pensas que aqui conto uma história que termina com algo que te chama para um viral ou amedrontamento, engana-se. Sim, morri. Mas todos da mesma forma foram morrendo aos poucos. Não era o remédio que tinha feito o defunto ressuscitar como um zumbi, mas sim um vírus que nos transformavam em zumbi, estando este já em nossos sangues. Se morríamos de morte natural, nos transformava-nos e se fossemos atacados, o processo era ainda mais rápido.

O erro? O meu maior erro nessa história foi te escrever e chamar-nos de zumbis. Essa é a história da transformação do antigo homem para o atual humano. Abutres, comedores de carne e sanguinários.

Se chegaste até aqui e acompanhaste a minha amiga linha, caro leitor, peço-te desculpas por toda prolixidade, coisas de péssimo escritor. Se foi psicodélico? Não sei, sei que o teatro terminou, as cortinas se fecharam. Por conseguinte, acordei suado de meu pesadelo. Mas a vida? A vida, meu caro, a vida continua sendo a nossa dilaceração mútua...

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